O debate sobre as mudanças climáticas já ultrapassou as barreiras técnicas e acadêmicas e entrou no dia a dia das pessoas. Termos como "crédito de carbono", "neutralidade climática" e "pegada de carbono" estão cada vez mais presentes na mídia, nos postos de gasolina, nas prateleiras de supermercado e nas campanhas publicitárias. Mas, por trás dessas expressões, existe uma ciência exata e urgente: a contabilidade de carbono. Quem explica essa dinâmica com clareza é Márcio Castro, CEO da NEXT ESG, em uma recente palestra no Fórum Regional de Geração Distribuída da região Sul (Fórum GD).Durante sua apresentação, Castro lança luz sobre um dos maiores desafios do século: reduzir, até 2050, a emissão anual global de 50 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa. Isso equivale a 50 bilhões de balões verdes — símbolo visual adotado por ele para ilustrar o tamanho da crise. “O mundo está com febre”, afirma, comparando o aumento da temperatura global a um estado febril do planeta, causado principalmente pelas emissões excessivas de dióxido de carbono e outros gases poluentes.O que é a contabilidade de carbono?Castro explica que a contabilidade de carbono — também chamada tecnicamente de inventário de gases de efeito estufa ou MRV (monitoramento, relato e verificação) — é como um fluxo de caixa ambiental das empresas. Assim como se faz o controle de entradas e saídas financeiras, é preciso mensurar com exatidão quanto se emite e quanto se pode mitigar ou compensar em gases poluentes.A metodologia segue diretrizes claras e é dividida em três escopos:Escopo 1: Emissões diretas, como o uso de geradores, ar-condicionado e veículos próprios.Escopo 2: Emissões indiretas associadas ao consumo de energia elétrica comprada de terceiros.Escopo 3: Emissões indiretas de toda a cadeia de valor, como transporte contratado, fornecedores e até a destinação de produtos pós-consumo.A falta de rigor nessa contabilidade pode levar ao chamado greenwashing, quando empresas se autodeclaram "carbono neutro" sem base em dados reais e auditáveis.A posição do Brasil no desafio globalSegundo o especialista, o Brasil emite atualmente cerca de 2 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa por ano, o que representa aproximadamente 4% do total global. Embora o número seja menor que o da China (mais de 20% das emissões globais) e dos Estados Unidos (segundo maior emissor), o país tem desafios particulares.Cerca de 25% das emissões brasileiras vêm do desmatamento, especialmente na Amazônia. “Quando a floresta é queimada, ela deixa de remover CO2 da atmosfera e passa a emitir ainda mais gases”, explica. O setor agropecuário — com destaque para o uso de fertilizantes e a fermentação entérica do gado — e o setor industrial também são importantes fontes de emissão. No entanto, a indústria brasileira se beneficia de uma matriz energética mais limpa do que em países como EUA e China, devido ao alto uso de fontes renováveis como hidrelétricas.Créditos de carbono: moeda do futuro?Cada tonelada de CO2 equivalente que deixa de ser emitida ou é removida da atmosfera pode se transformar em um crédito de carbono. No mercado regulado — como o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, ainda em estruturação — ou no mercado voluntário, esses créditos podem ser comprados por empresas para compensar suas emissões.Contudo, para gerar créditos reais e confiáveis, é necessário ter uma contabilidade de carbono sólida. Um dos instrumentos mencionados por Castro é o IREC, certificado internacional usado para comprovar a aquisição de energia limpa, especialmente por grandes indústrias.Para além das grandes empresas, Márcio Castro destaca que todos os indivíduos também têm uma pegada de carbono, ou seja, cada pessoa é responsável por uma quantidade específica de emissões no planeta. “Se a gente souber disso, podemos começar a conversar sobre isso. E aí, cada um vai fazer a sua parte”, disse.O desafio de zerar as emissões líquidas até 2050 — o chamado net zero — passa não só pelas corporações e governos, mas também pelo comportamento de cada cidadão. Seja escolhendo produtos de menor impacto ambiental, reduzindo o consumo de energia ou optando por transporte sustentável, toda ação conta.Rumo à COP 30 e ao futuro do planetaAo final da apresentação, Márcio Castro menciona a expectativa em torno da COP 30, que será realizada no Brasil, como uma oportunidade histórica para o país assumir protagonismo na transição para uma economia de baixo carbono. “É hora de o Brasil mostrar ao mundo que entende de floresta, de biodiversidade, de energia limpa — e que sabe fazer contabilidade de carbono com seriedade”, conclui.A mensagem é clara: sem dados, não há gestão. E sem gestão, não há futuro sustentável. A contabilidade de carbono, embora técnica, é uma linguagem que precisa ser compreendida por todos que desejam um planeta habitável para as próximas gerações.A palestra completa pode ser acessada pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=wJV2QOq--BI